sábado, 23 de janeiro de 2010

PORQUE NÓS GATOS SOMOS TUDO DE BOM!!!!!

Um comentário:

  1. ODE AO GATO

    Pablo Neruda
    tradução: Eliane Zagury


    Os animais foram
    imperfeitos,
    compridos de rabo, tristes
    de cabeça.
    Pouco a pouco se foram
    compondo,
    fazendo-se paisagem,
    adquirindo pintas, graça vôo.
    O gato,
    só o gato apareceu completo
    e orgulhoso:
    nasceu completamente terminado,
    anda sozinho e sabe o que quer.

    O homem quer ser peixe e pássaro,
    a serpente quisera ter asas,
    o cachorro é um leão desorientado,
    o engenheiro quer ser poeta,
    a mosca estuda para andorinha,
    o poeta trata de imitar a mosca,
    mas o gato
    quer ser só gato
    e todo gato é gato do bigode ao rabo,
    do pressentimento à ratazana viva,
    da noite até os seus olhos de ouro.

    Não há unidade
    como ele,
    não tem
    a lua nem a flor
    tal contextura:
    é uma coisa
    só como o sol ou o topázio,
    e a elástica linha em seu contorno
    firme e sutil é como
    a linha da proa de uma nave.
    Os seus olhos amarelos
    deixaram uma só
    ranhura
    para jogar as moedas da noite .

    Oh pequeno imperador sem orbe,
    conquistador sem pátria,
    mínimo tigre de salão, nupcial
    sultão do céu
    das telhas eróticas,
    o vento do amor
    na intempérie
    reclamas
    quando passas
    e pousas
    quatro pés delicados
    no solo,
    cheirando,
    desconfiando
    de todo o terrestre,
    porque tudo
    é imundo
    para o imaculado pé do gato.

    Oh fera independente
    da casa, arrogante
    vestígio da noite,
    preguiçoso, ginástico
    e alheio,
    profundíssimo gato,
    polícia secreta
    dos quartos,
    insígnia
    de um
    desaparecido veludo,
    certamente não há
    enigma na tua maneira,
    talvez não sejas mistério,
    todo o mundo sabe de ti e pertences
    ao habitante menos misterioso
    talvez todos acreditem,
    todos se acreditem donos,
    proprietários, tios
    de gato, companheiros,
    colegas,
    discípulos ou amigos do seu gato.

    Eu não.
    Eu não subscrevo.
    Eu não conheço o gato.
    Tudo sei, a vida e o seu arquipélago,
    o mar e a cidade incalculável,
    a botânica
    o gineceu com os seus extravios,
    o pôr e o menos da matemática,
    os funis vulcânicos do mundo,
    a casca irreal do crocodilo,
    a bondade ignorada do bombeiro,
    o atavismo azul do sacerdote,
    mas não posso decifrar um gato.
    Minha razão resvalou na sua indiferença,
    os seus olhos têm números de ouro.

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